[ NOTA: Tramas, Tranças e Transas é um exercício de composição textual a partir dos textos publicado aqui na Terceyro Mundo entre os meses de Julho (v.1, n.1) a Outubro (v.1 n.4), e tem como objetivo experimentar a escrita não-criativa, a apropriação1 e a antropofagia como procedimentos de composição e montagem dos textos-roteiros, editado por Eclê Gomes e Edimara Arcanjo. ]
viver é a metáfora mais potente do poeta
o que machuca sua vaidade?
o que mostra sua máscara?
não sei, respondo enquanto preencho com cigarros
que vou pedindo aos outros
as tuas lacunas
a tua mão delicadamente
pousando na minha tremedeira
e depois eu,
eu te quero,
e eu te quero,
e eu te quero pra dentro do meu território
com tanta urgência
mas sinto vergonha
de amar assim,
tão quente e tão úmida
em segredo
arranco pétalas da pele e pedaços de flor
no maior estilo bem me quer mal me quer
incapaz de um gemido estridente
sinto que sou como a água
que se adequa as formas de qualquer recipiente
qualquer olhar
tenho medo de te olhar e descobrir o que de fato você é
um estranho que nunca me viu.
pior, eu tenho medo de te olhar e descobrir que você sou eu
S A N G R A !
viver é ódio, amor, desejo, realidade, fingimento,
viver é a metáfora mais patética do poeta
viver é caminhar por normas tolas
feitas por tolos
como eu
ou até mais tolos do que eu
S A G R A !
as palavras não bastam
minha fúria e desespero
não cabem na poesia
eu sou a última palavra em convulsão
eu sou um coração em erupção
eu sou a própria explosão
e todo dia é o fim do mundo
e toda noite eu morro quando durmo
o sol é minha nova vida
S A N G R A !
Maysa pensa em rasgar o céu e o que há depois
espantar fantasmas e vencer a morte
ou morrer várias vezes
(todos os dias e duas vezes aos sábados e domingos)
S A G R A !
reunir desconhecidos
para prestar atenção na vida
deixar o tempo agir
ver as palavras ganharem pequenas rugas
rusgas
rasgos
olhar nos olhos e desafiar o mundo a ser outro
vem, vem agora
viver é a metáfora mais potente do poeta
S A N G R A !
se soubéssemos mais do que nossos nomes
datas de nascimento e todos os números
de identificação decorados
então saberíamos
o que responder para a escuridão dos olhos fechados
o que precisamos é não precisar tanto
e que nossos espelhos sejam menos estilhaçados
e que não estranhemos mais os nossos dentes
agora estou aqui e me sinto assim
viver é um estardalhaço
S A G R A !
VILLA-FORTE, Leonardo. Escrever sem escrever: literatura e apropriação no século XXI / Leonardo Villa-Forte. Rio de Janeiro : Ed. PUC-Rio ; Belo Horizonte, MG ; Relicário, 2019.