[ NOTA: Tramas, Tranças e Transas é um exercício de composição textual a partir dos textos publicado aqui na Terceyro Mundo entre os meses de Julho (v.1, n.1) a Outubro (v.1 n.4), e tem como objetivo experimentar a escrita não-criativa, a apropriação1 e a antropofagia como procedimentos de composição e montagem dos textos-roteiros, editado por Eclê Gomes e Edimara Arcanjo. ]
Passeando entre espelhos e espinhos
você acha que me vê só porque me olha?
não sou você, não sou espelho
falarei coisas desconexas
eu gostaria que
nesse momento do encontro entre nós dois
você segurasse a minha mão na tua
ela chegou até mim e disse num solfejo
“ei vem ver o nunca visto’’
e eu curioso que sou, corri
animal insone
pisando entre cacos do espelho que me abriga
habita-me no cômodo o incômodo
o hábito
a harmonia da desarmonia
cara no espelho
sou feito de excessos
sorrio na queda
é meu signo
ou só uma desculpa
dos significados que invento pra mim
quando morro
nunca fiz as pazes com um pedaço inteiro de mim
e ainda assim carrego comigo
o pedaço expatriado, estrangeiro
o pedaço por excelência
o mais barulhento, mais despedaçado e mais inteiro também
eu me pergunto se você sabe
que dentro do peito de uma mulher
presente, passado e futuro
não se resolvem
meus poemas são apenas inflexão do tempo,
do tempo futuro, presente e passado
um tempo outro
jeitos de dizer com o que não sai da boca
eu quero mais
quero tudo e um pouco mais
tudo e o corpo, mais
eu não vim para explicar nada, absolutamente nada
viver foi me desgastando o estômago
problemas, tratamentos, problemas, retórica doença
meu vício é ser eu mesmo por excesso
você me pergunta do futuro e eu perdida
tentando resolver o ontem não consigo enxergar o hoje
me chama pra conhecer o desconhecido
o medo mora perto das ideias loucas
tem tanta coisa que eu queria escrever
eu me perco facilmente
a lógica dos meus sentidos obedece a uma lógica surreal, absurda
eu sou um rascunho das coisas que me criaram
minha vida é um experimento inacabado
uma curiosidade subentendida
você me vê como eu me vejo?
sim, eu sou mesmo autodidata
eu escrevi aos 7 anos um garrancho
que por ironia, acredita que, ora sim pois veja
tinha sentido
e desde então eu pintei um olho
o que é que você vê quando te olham?
eu vejo o peso do mundo nas suas costas
eu vejo uma criança assustada em busca de colo
já vi esse filme
o analista me diz
é uma série
vejo você me olhando e me perguntando o que eu vejo
como se isso fosse te salvar, caso eu dissesse que
como se isso fosse te condenar, caso eu dissesse que
a verdade que mais me incomoda
saber o que me aguarda no final
Eclê Gomes é doutor em Nada, mestre em Soluções Imaginárias, Ator, Diretor, Dramaturgo e Poeta. Editor chefe, caotizador e colaborador na revista Terceyro Mundo.
Edimara Arcanjo é psicóloga, escritora e compositora. Autora do livro "Na minha barriga mora um monstro", publicado de forma independente, disponível na Amazon. Além disso, é atriz em formação pela Escola de Teatro 4portas na Mesa e integrante dos projetos Cantamina e Coral Vozes. É editora, revisora e colaboradora na revista Terceyro Mundo.
VILLA-FORTE, Leonardo. Escrever sem escrever: literatura e apropriação no século XXI / Leonardo Villa-Forte. Rio de Janeiro : Ed. PUC-Rio ; Belo Horizonte, MG ; Relicário, 2019.