roteiro I
conquistar a república por dentro como quem seduz corações
fazer feitiço como quem escreve poesia
transar palavras como quem trança destinos
sonhar e estar em tudo como se fosse deus e diabo
fazer da anarquia um método como quem deseja
desobedecer a autoridade como se fosse poeta
roteiro VII
evite evitar o inevitável
corra lentamente
desenhe uma amarelinha numa calçada inabitada
faça uma declaração de amor inesperada
caminhe como se estivesse na lua
não sinta ciúme as 3h da madrugada
beba água como se fosse um felino
chupe uma banda de limão sem fazer careta
abrace uma pessoa desconhecida na rua
converse com uma árvore sobre assuntos diversos
projete sete desejos impossíveis
imagine uma formiga de 50m
roteiro XXX
escrever
editar
imprimir
vender
literatura
f(r)icção III
queria não, mas o que eu posso fazer se eu quero?! a única solução possível é uma solução imaginária: f(r)iccionar o desejo até um clímax impossível. ou seja, performar Sidney Magal em "Meu Sangue Ferve Por Você" na frente do espelho enquanto conspiramos uma fuga improvável numa navilouca ao mesmo tempo em que deixamos escapar desejos inconfessáveis para uma conspiração insurgente. coloque as asas pra fora porque anjo caído também voa. o paraíso é nosso e o inferno também. para eles o purgatório. para nós o além.
f(r)icção V - extra! extra!
o que tudo indica, e isso não será noticiado pela grande mídia, uma jovem fantasiada de camponesa foi avistada erguendo uma bandeira de fogo no coração do Brasil. as razões para esse ato, até o momento, são inexplicáveis, mas o que tudo indica é que tratava-se de uma distração enquanto 666 dinamites eram instaladas em todas as regiões do país, distribuídas em cidades estratégicas para uma explosão sincronizada com intuito de desmontar, ou melhor, pulverizar as ruínas da sociedade do espetáculo.
segundo mensagens criptografadas enviadas dentro de uma garrafa e entregue por uma toupeira aquática vestida de viajante espacial, a ação é realizada por um bando subversivo autointitulado como "Os Após Tolos da Desordem" e, até onde se sabe, o referido bando é liderado por uma viajante do espaço-tempo que os orienta através de neurotransmissores que ecoam sinais no córtex cerebral emitidas do ano 1312 do terceiro milênio.
o que o bando desordeiro quer é evidente: reescrever o futuro.
pausa melodramática
devo
pelo mínimo de vergonha na cara
que ainda me resta
adiantar
fingir bons modos
sem pressa
adiar
mais uma vez
o irremediável
declaração
agora eu vou me declarar pra você porque em algum lugar do mundo, ou em alguma imaginação, alguém está a se declarar pra alguém. eu vou fazer isso porque agora eu quero ser esse alguém que está em algum lugar do mundo, ou em alguma imaginação, a se declarar pra alguém. eu quero fazer isso porque agora eu necessito de ser outro nesse momento. ser esse outro que está em algum lugar do mundo, ou em alguma imaginação, a se declarar para alguém.
prefiro
rasgar o poema
virar do avesso a poesia
olhar nos olhos
beijar lento
misturar teu cheiro no meu
amar sem pressa
lamber tuas coxas
morder sua bunda
criar um labirinto
atendimento 24h
disse, atenciosamente, a prestativa atendente:
por gentileza
o senhor deverá
preencher esse requerimento
e encaminhar-se à sessão de
"despachos sentimentais"
lá o senhor poderá despachar
esse saco de estrume
que o senhor diz ser
"sentimentos acumulados"
e assim poderá renovar o seu plano de
"cretino indecente e sem coração"
o plano incluí também
bloqueio por tempo indeterminado
das suas faculdades emocionais
além de frieza calculista e pragmatismo maquiavélico
se o senhor fechar o plano agora
levará gratuitamente
um pacote para trepadas frias
com direito à memória de peixe de aquário
não há contraindicação
o máximo que pode acontecer
é o acúmulo de relações vazias
sem laços afetivos, nem profundidade
mas isso não é um problema
pois o nosso plano cobre a remoção
e coleta desse lixo anti-sentimenal
obrigado pela preferência
vou escrever um poema assim:
a minha declaração de amor foi me atirar aos teus pés em prosa e poesia e em troca você limpar o cu com as páginas que continham os sentimentos mais nobres. e fim.
vou escrever um poema sofrido
narrar q estou tristinho
e dizer q penso em você
vou fingir costume
me atirar no lume
e inventar uma dor
vou chorar e soluçar também
me jogar no chão
dizer q estou nas suas mãos
e você vai me chamar de ator
vou culpar a astrologia
maldizer essa agonia
e me curar depois
vou adorar deus e o diabo
vou até
fazer um pacto
vou me iludir
vou te chamar de flor
depois rimar amor e dor
pra te seduzir
vou escrever um drama
pra falar de quem ama
e fazer cocô
e no fim
no fim do fim
vou desmentir tudinho
vamos trocar carinho
e fazer amor
fim.
Eclê Gomes é doutor em Nada, mestre em Soluções Imaginárias, Ator, Diretor, Dramaturgo e Poeta. Editor chefe, caotizador e colaborador na revista Terceyro Mundo.