NOTAS POR UMA ARTE EM SINCRONIA COM O MOMENTO PRESENTE
TANIA BRUGUERA - TRADUÇÃO: PEDRO MARTINS - Novembro - v.1, n.5 (2022)
[ATENÇÃO: Esta é apenas uma tradução )TRADUCERE( livre para uma gira de mutabilidade da consciência. Notas por uma arte em sincronia com o momento político (2020) é uma composição textual da artista cubana Tania Bruguera, publicada originalmente em língua espanhola na revista digital Hypermedia, traduzida aqui na Terceyro Mundo sem fins lucrativos em língua portuguesa, e que tem como objetivo criar faíscas para imaginar, criar e implementar táticas de insurreição.]
***
Fazer arte política não é armar escândalo, é entender o conceito de timing.
***
Timing é uma das primeiras palavras que os políticos de qualquer país aprendem. Ele pode ser traduzido como sincronização ou sincronia e é, simplesmente, entender qual é o momento perfeito para se posicionar, dizer ou fazer alguma coisa.
O momento perfeito não tem que ser o momento certo.
***
Agir fora do tempo é algo que os políticos geralmente acham caro. Agir fora do tempo equivale à mediocridade em um político.
***
A arte também tem um senso de timing, mas, ao contrário da política, busca abordar um estado de verdade, e a ela se deve.
Dizer a verdade nem sempre coincide com o momento político certo. Os políticos nunca veem como algo adequado que os outros digam a verdade em público.
***
O compromisso da arte com a verdade é muito confuso.
Muitas vezes se pensa que a arte é um instrumento para ilustrar a verdade dos outros: a do "sem voz", às vezes é dita (expressão que me irrita e ofende). Na maioria das vezes, a arte que é apresentada como "verdade" nada mais é do que investimento econômico, reflexão e entretenimento para os poderosos (que amam a arte colocada em função deles).
No primeiro caso, é a arte como melodrama. No segundo, propaganda.
***
A verdade na arte vem de um lugar solitário, hostil, doloroso, confuso. Não tem nada a ver com o imediatismo, feliz consigo mesmo. Não pode ser um momento genérico, porque a arte toca o que você protegeu. Não pode ser pura efusividade programada, porque sempre traz consigo uma dúvida que ameaça interromper o que a sustentou.
***
A arte política não pode ser feita com medo. Você pode sentir medo, você pode falar sobre o medo, você pode tremer irracionalmente, mas o medo não é a matéria com que a arte política é feita.
A arte política é um processo que transforma o medo em outra coisa.
Arte política é se colocar, conscientemente vulnerável, na frente do medo.
***
O maior medo que provoca a arte política não tem a ver com os problemas que pode causar ao artista. O maior medo é que a obra seja tão circunstancial que não consiga sobreviver ao seu momento de nascimento, que não seja essencial depois, que se torne prematuramente velha. É disso que os artistas mais temem: expirar. Mas toda arte decrépita nasce em si mesma no honesto, não importa se é ou não arte política.
***
Fala-se sempre da relevância da arte política, se é ou não o momento certo para fazê-la ou exibi-la. Desde a época dos soviéticos, esta é a frase usada para articular algum expurgo coletivo que justifica a censura de um artista: não somos nós, pensamos o mesmo, mas não é o momento certo.
***
Fala-se muito sobre o oportunismo da arte política, mas não se fala do oportunismo da arte não política.
Concordar com o silêncio é um ato político.
***
Oportunismo e oportuno são parecidos, mas não são os mesmos.
A arte política é oportuna, mesmo que seja desconfortável não ser capaz de chamá-la de oportunista.
***
A estética, desajustada por políticos e comissários da censura, torna-se elemento do diagnóstico da periculosidade política de uma obra de arte: quanto mais eficaz é politicamente, mais é acusada de ser "má arte". Como se uma série de convenções do século XIX pudesse tirar o impacto daqui e agora.
***
Há duas categorias: os que fazem arte e quem é artista.
Aqueles que fazem arte sabem sobre o mal de fazer.
Os artistas às vezes nem sabem por que estão fazendo o que estão fazendo, mas estão fazendo algo irrecuperável.
A verdade é que a arte, também a arte política, é a energia.
***
A arte política carrega consigo uma angústia que não se pode permitir aos guerrilheiros, ativistas, burocratas ou empresários.
***
A arte política não é uma competição para ver quem está certo, mas um processo onde se traz à tona o que todos se preocupam em esconder, por dor ou conveniência.
***
A arte política sempre faz, pelo menos, uma pergunta desconfortável.
***
A arte política busca saber onde o sistema falha.
***
A arte política é entender a política como uma tensão emocional com o poder, é a exigência de existir nesse ambiente.
***
A arte política utiliza o capital emocional gerado pela política e engaja a arte como ator no cenário político.
***
O timing político é uma janela que se abre e se fecha rapidamente: é um espaço que deve ser inserido rapidamente, durante esse breve período em que as decisões políticas ainda não foram concretizadas, implementadas ou aceitas culturalmente.
***
A arte em sincronia com o momento político (Political Timing Specific Art) ocorre entre o imaginário de uma nova realidade política que o artista oferece ao público e a versão que o político oferece dessa mesma realidade aos seus cidadãos. A arte política transforma o público em cidadãos ativos.
***
O conceito Site Specific Art fala do lugar, com um pouco de tempero da história local, talvez da composição social do entorno e, quem sabe, com algum elemento antropológico, mas ignora as condições políticas que tornam necessário que o trabalho exista.
Nos anos sessenta do século passado, é surpreendente que a arte se concentrasse mais na localização do que na combustão.
O hedonismo supera qualquer tentativa de Revolução.
***
Quando você faz uma obra de arte onde o significado é definido por uma situação política em desenvolvimento.
Quando a arte entra sem permissão, para ver se o caos tem algum significado novo.
Quando você usa como material criativo alguns dos elementos que geram a situação política.
Quando a obra de arte se torna um ponto de referência irremediavelmente ligado à evolução dos acontecimentos históricos, e uma análise destes não pode ser feita sem levar em conta a obra de arte gerada naquele momento.
Quando o controle da obra não está nas mãos do artista, mas é decisão de um governo ou de quem está no poder.
Quando o trabalho rompe uma cadeia de respostas políticas ou resulta na criação de novas políticas ou leis.
Quando a própria existência da obra altera o curso dos acontecimentos políticos, e quando as pessoas conseguem ver nela um espaço de participação que não encontram na situação política...
Esses são os fatores que tornam uma obra específica para um tempo político.
***
Já não basta fazer arte que "comente" ou "reage" ao que acontece: a arte tem que ser um ato prefigurativo. Você tem que fazer arte para o que ainda não aconteceu, para o que está para acontecer. Os políticos estão planejando hoje o que acontecerá em 2030.
***
O poder não pode ser um evento isolado, mas um sistema que temos que entender para prever. Eles já podem nos prender por periculosidade pré-criminal, ou seja, não pelo que fizemos, mas pelo que eles (como no Minority Report) imaginam que faremos. Esse mesmo condicionamento cidadão, que faz você se sentir um criminoso porque os outros imaginam assim, deveríamos usá-lo contra os políticos.
***
A arte política tem consequências. Se alguém sai da sala de um teatro auto-satisfeito com o que é um bom cidadão, por ter passado alguns minutos de subversão a portas fechadas com as luzes apontadas para o palco e não para o público, então isso pode ser arte, mas não é arte política.
***
"Mas essa arte política não diz nada de novo, por que fazê-lo, se todos sabemos que há ________________ em Cuba."
Ouço isso com tanta frequência que quase quero fazer uma música com esse refrão.
A diferença é que saber algo não é o mesmo que compreendê-lo. Saber algo não é o mesmo que dizê-lo em público.
***
Se você não colocar algo em risco com seu trabalho, não é arte, e muito menos política.
***
Na arte política, política não é um adjetivo, é um verbo.
***
Quando se começa a fazer arte política, tende-se a pensar que a arte e os artistas não são tão importantes, não podem fazer grandes mudanças sociais. Nossa escala nunca é massiva. Mais tarde, percebe-se que a melhor resposta aos políticos é fazer arte.
A arte sempre sobreviverá a um mandato, a uma lei ou a uma punição.
***
Os censores parecem os artistas políticos mais subversivos. Eles têm todas as más intenções possíveis em mente.
***
A arte política não é feita para agradar a ninguém.
***
Fazer arte política não é usar a imagem de um político: é criar um conflito político.
***
Por favor: não vamos confundir mais arte política e propaganda.
Tania Bruguera nasceu em Havana - Cuba, em 1968, filha de Miguel Bruguera, conselheiro político cubano e diplomata, e de Argelia Fernandez, tradutora de espanhol-inglês. Tania Bruguera é uma artista política e ativista, graduada pelo Instituto Superior de Arte em Cuba (1992) e pelo Instituto de Arte de Chicago (2001). Bruguera explora as interrelações de poderes, ética e desejo. Trabalhando de diferentes formas de educação como material primordial, busca tecer redes que movem transformações sociais, partindo de propostas que confrontam diretamente os poderes políticos. Sua obra inclui fotografias, performances de curta e longa duração e instalações, com o objetivo de propor novas formas de compreender a realidade.
Pedro Martins (São Paulo), é artista visual que manuseia imagens e palavras em uma pesquisa voltada a investigar o espaço como poesia visual, explorando as relações em multilinguagens para um diálogo ao pensamento descolonial. Suas composições visuais dialogam com o Concretismo de 1950-1960 e o Neoconcretismo, propondo uma estética interessada em movimentar tanto as ideias feitas que orientam o discurso, quanto à imagem totalizante. Na gira da proposição, desenvolve pinturas, desenhos, fotografias e poemas que investigam o limite da forma e da palavra, alguns renunciam um texto, outros renunciam uma arquitetura que se desdobram em narrativas visuais nas quais o artista, incorpora diferentes mutabilidades, que percorrem uma rede permeada pelas rugosidades do devir.