Prelúdio
No princípio era
o Caos
uma matéria completamente crua
indiferenciável
indefinível
indescritível
que existe
desde toda a eternidade
e que é
o princípio de todas as coisas.
o Caos
não diferencia
o úmido do seco
a direita da esquerda
o leve do pesado
o concreto do abstrato
o quente do frio.
o Sol não ilumina o dia
pois o dia não existe
nem há lua para sucedê-lo
pois tudo é obscuro demais
para que a noite seja noite.
não há espaço
nem tempo
nem coisas
NADA
senão
uma completa
confusão.
Diante do inesperado avistamos um território sem fronteiras. O mundo ruía. Estamos em crise. Algo escapa pelos nossos dedos. Uma brecha.
Queridos(as) leitores(as) desavisados(as), que chegaram aqui, sabe-se lá como, é nosso dever, nesse momento, tentar, de alguma forma possível mediada por palavras, apresentar esta revista, que agora nasce, mas que sempre existiu, pois ontem, hoje e amanhã sempre estiveram, estão e estarão entrelaçados. Melhor seria dizer “lugar” ao invés de “revista”. Ou talvez, “ponto de convergência”, “de encontro”, “de troca”, “de contrabando de palavras”, “de conspirações delirantes”. Ou “território sem fronteiras”, ou “espaço de experimentação”, ou “tudo e uns canudos”, ou “zona de transmissão”, ou... Seja lá como for que chamemos isso, e esse isso pode ser e vir a ser o que quiser, o que importa é que abrimos com as mãos uma brecha no espaço-tempo e por ali fomos enfiando tudo o que era matéria do nosso desejo, do amor, da liberdade, do despudor, da alegria, da subversão, e diante do caos e do inesperado avistamos um território onde poderíamos experimentar a palavra nas suas possibilidades e impossibilidades. Entre a palavra e o caos, entre a imagem e a cena, entre a harmonia e a desarmonia, entre o movimento e a fotografia, entre o fim e o começo, nasce a Terceyro Mundo, descendo e subindo em uma louca espiral. Foi preciso chegar ao fim do mundo para perceber que era lá o começo do mundo.
O que queremos para o mundo?
Podemos viver nesse mundo?
Queremos viver nesse mundo?
Poderemos, a partir desse mundo, transformá-lo e nos transformar?
Acreditamos que, muito provavelmente, esse lugar, essa revista dificilmente terá respostas com a convicção que você, leitor(a) querido(a) possa almejar. No entanto, aqui, você encontrará um exercício profundo (e por quê não superficial também?) de reflexão, de alegria, palhaçada, revolta na direção dessas e de outras questões e juntos(as), quem sabe, poderemos descobrir, tensionar, friccionar e nos deleitar com essa viagem que agora se inicia com a chegada dessa nossa revista-nave Terceyro Mundo.
O que queremos com essa revista, com esse espaço de troca é, além de promover encontros e debates em torno de questões relacionada à arte, cultura, política, literatura, experimentações com a palavra escrita, valorizar a produção escrita não veiculada nos meios de produção dominante com suas burocracias de cinzas, fortalecer novos espaços de diálogo, construção e divulgação de escritores(as) interessados(as) em partilhar suas produções, o que queremos é, sobretudo, que esse espaço, essa revista seja um lugar de experimentação da palavra escrita e suas possibilidades de encontros com as diversas linguagens. E só há um jeito de experimentar o novo: transgredir a regra. Mastigar o velho, engolir, ou cuspir fora se quiser. Mas é preciso experimentar, sentir o gosto, gostar e não gostar, querer mais, não ter pudor em aprender, questionar, não temer o ridículo, ser ridículo(a), cretino(a), aventureiro(a), o que quiser.
O que pode a palavra escrita?
O que pode um texto?
Quantos sentidos existem num só sentido?
O que pode os encontros mediados por palavras?
O que pode a literatura?
Será que vamos conseguir mudar o mundo?
Será que queremos mudar o mundo?
Como criar um mundo?
Será que ainda faz algum sentido acreditar nas revoluções?
O que você espera de nós?
Queremos uma verdade inventada. Queremos que a palavra seja implacável. Queremos não mudar o mundo, mas com sorte, quiçá, transformá-lo, mudar uma coisa e outra de lugar aqui e ali, abrir brechas por onde iremos dar passagem para as nossas e outras vozes. Queremos tudo e não desprezaremos o nada. Queremos o nada também. Queremos as fissuras, as rasuras, os rascunhos. Queremos a ordem, o caos, o delírio, a harmonia da desarmonia, o que é belo e o que é feio também. O que não queremos é atender expectativas, nem lamber sapatos de burocratas, nem mendigar sua atenção, muito menos ainda negar o nosso desejo de fazer o que queremos ao som da nossa vontade.
É sabido que estamos em um momento de crise e que o colapso é global. Mas o que fazer quando a gente não pode fazer nada? Rogério Sganzela através do personagem que inspira o título do filme, O Bandido da Luz Vermelha de 1968, sugere que “Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha. Avacalha e esculhamba”. Oswald de Andrade em 1924 no seu Manifesto da Poesia Pau-Brasil sugere “A contribuição milionária de todos os erros”, ou seja, como disse Samuel Beckett em Pra Frente o Pior de 1983 “Tentar de novo. Falhar de novo. Falhar melhor”. Ana Cristina Cesar diz que “Por afrontamento do desejo/ insisto na maldade de escrever”. Clarice Lispector na sua Água Viva diz que “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada”. Hilda Hilst na sua Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio que “tu sabes que é de poesia/ Minha vida secreta” e nos Poemas Malditos, Gozosos e Devotos diz que “É neste mundo que te quero sentir. É o único que sei. O que me resta”. Francis Picabia em 1920 no seu Manifesto Canibal Dadá, referindo-se a todas as pessoas sérias e “fechadas como ostras sérias” diz que “todos vocês que são sérios, vocês fedem mais do que bosta de vaca” e ainda ínsita que “vaiem, gritem, torçam o meu pescoço, e depois, e depois? Eu direi ainda que todos vocês são peras”. Nadya Tolokonnikova no seu Guia Pussy Riot para o Ativismo, comentando a cultura punk, diz que “ser moderado e contido é muitas vezes a escolha errada. Quando sua intuição lhe disser que chegou a hora de deixar a moderação para trás, não hesite”. Peter Grey em Bruxaria Apocalíptica profetiza dizendo que “A Bruxaria ficará mais excitada e mais irritada. A natureza se erguerá. Nós não estamos apenas vindo pegar seus filhos, nós somos seus filhos e todos aqueles que herdarão as ruínas do mundo. (...). Como bruxos, devemos nos preparar para voar nas asas da tempestade”. Roberto Bolaño, da sua Universidade Desconhecida, sugere “Não compor poemas mas orações/ Escrever preces que você irá sussurrar/ antes de escrever aquele poema/ que pensará nunca ter escrito” e ainda que “Queria escrever coisas divertidas para você. De catástrofes e pequenas tristezas estamos até o pescoço”. E é Antonin Artaud quem diz, escrevendo e pensando em “críticos barbudos” no seu O Pesa-Nervos, que “Toda a escritura é porcaria” e que “Todo o mundo literário é porco, e especialmente o deste tempo”.
Enfim, muitas pessoas dizem muitas coisas e continuarão a dizer. Principalmente numa época como a nossa em que as informações circulam numa velocidade estonteante através das redes virtuais.
Assim sendo e no desejo, na simplicidade do nosso desejo criamos esta, que a princípio chamaremos de revista, como possibilidade alternativa de também comunicar o que desejamos, nossos delírios, nossas experimentações com a palavra, com a linguagem, com a escrita e seus desdobramentos na tentativa de poder criar um laço afetivo, uma rede, uma teia, um emaranhado, uma egrégora, uma comunidade, uma utopia, um território de troca de experiências, uma invenção de mundo, instaurar o futuro sem desprezar o passado, abrir brechas, pensar estratégias poéticas, políticas, nos divertir, amotinar pessoas, palavras, ideias, sentidos, enfrentar as crises, afinal, mais vale uma crise do que consciência limpa de quem nunca se aventurou a mostrar o que é ou não possível de seu próprio potencial. Porque outra questão que se coloca é:
Até que ponto você permite que seu universo se expanda em loucas, longas e infinitas espirais de possibilidades?
Na vastidão das galáxias, cada um de seus elementos têm uma mesma origem, Somos todos pó de estrelas nessa orgia cósmica, nos regozijamos de poesia, como anjos eternamente caídos de um céu, um inferno ou de um big bang, um bang bang que nasce no choque entre as palavras.
Estamos
nesse momento
no útero da grande mãe
prestes a nascer
Você que nos lê
nos ajude a nascer
Pois
eu seguro a tua mão na minha
para que juntos/juntas possamos
fazer
aquilo que ninguém poderá fazer sozinho
Agora estou fantasiando
quando deveria ser objetivo
Tudo caminha muito rápido
nesse mundo outro
nesse mundo novo
nesse mundo
E nós queremos aproveitar
dançar macarena às 3:30h da manhã
fazer fumaça e
projetar desejos
no fio fino branco azulado
que corta o ar
com seu perfume
rompendo o véu do espaço-tempo
abrindo brechas
fendas
espaços impossíveis
fabricando realidades
compondo o imaginário
escondendo e revelando
aquilo que nem é “meu”
nem “seu”
mas de uma terceyra coisa
não uma terceira via
nem o sentido comum e
desgastado da palavra terceiro
Mas uma terceyra coisa
Que é também milésima e sem fronteiras
A instauração de um território in(em)comum
Não temer o caos
as coisas
Aportar no cais
Ser caos e cais
E assim
como quem brinca de astronauta
inventar um mundo
um Terceyro Mundo
mirabolante
então nascer
NASCEMOS!
Viva o Terceyro Mundo e suas pradarias selvagens, seus pântanos, exuberantes seus rios caudalosos, suas florestas divinas, seus jardins suspensos deliciosos, suas grutas infernais, seus buracos de minhocas enigmáticos, seus poetas profetas, suas poetas feiticeiras, seus declínios ascendentes, suas ascendências profanas, seus desejos sagrados, seus delírios místicos, suas utopias de girafas pescoçudas, seus delitos de ave de rapina, suas torrentes quentes e gélidas, suas salamandras de fogos, seus duendes engraçadinhos, seus portais dimensionais, seus planetas desorbitados, seus delinquentes literários, seus pivetes sonhadores, seus monstros que gritam na sua barriga, seus périplos de vai e vem, seus poemas tristes e saltimbancos, suas arapucas para capturar a beleza nas ruínas, seus gritos para o nada, seus peixes-leões dominando a costa atlântica, seus hot-dogs com ketchup e mostarda, seus sorvetes de morango, seus vândalos sonhadores, suas bruxas tecelãs, suas mariposas aladas, seus tubarões esfomeados, seus gatinhos ronronando, suas formigas incansáveis, suas viagens astrais, suas leituras de tarô arquetípicas, suas mandingas para curar as feridas de uma América latida, seus cães sem dono, seus depravados insurgentes, suas repetições estratégicas, seus venenos curativos, seus animais exóticos, seu tesão revolucionário, seus dentes afiados nas mandíbula do alimento, suas coisas desconhecidas que ainda virão e mais outras coisas que ainda não sabemos e outras que conjuraremos por querer.
A festa de todos os dias!
A revista-espaço Terceyro Mundo foi criada com o objetivo de experimentar a palavra escrita com seus desdobramentos poéticos e suas diversas possibilidades no campo da escrita e da literatura. O que nós pretendemos com este projeto é abrir caminho e dar passagem para aqueles e aquelas que desejarem experimentar conosco as potencialidades dos encontros mediados pela palavra, a escrita, o texto, além de incentivar a leitura e democratizar o acesso à produção escrita e literária contemporânea.
Para acompanhar as publicações da nossa revista, basta assinar a nossa newsletter que você receberá todas as nossas publicações e atualizações no conforto da sua caixa de email. E para um contato mais direto, basta seguir a Terceyro Mundo no Instagram.
Já para aquelas pessoas que possam vir a ter interesse em publicar conosco e colar nessa nossa aventura, nessa nossa festa de todos os dias, o nosso desejo é de poder receber de forma continuadas todas as possíveis colaborações que possam pintar na nossa tela, nos “livrando” assim da “obrigação” de realizar chamadas públicas mensalmente (o que pode acontecer de forma eventual e pontual em algum momento da nossa existência) e mantendo a nossa liberdade editorial durante a curadoria dos materiais enviados.
Nesse caso, iremos receber Poesias, Prosa Poéticas, Contos, Crônicas, Ensaios e Dramaturgias unicamente através do e-mail terceyromundoeditorial@gmail.com, onde deverá ser anexado o material da colaboração em arquivo word e pdf (no caso do material utilizar uma formatação específica), adicionando no “ASSUNTO”: NOME + NOME DO TRABALHO + ESPECIFICAÇÃO (CONTO, POESIA, DRAMATURGIA, ETC) seguido de “COLABORAÇÃO”.
Não especificamos “limites” para as obras enviadas, mas sugerimos que para textos em PROSA os textos possam ter até 1200 palavras, podendo haver flexibilidade a depender de cada material; para POESIAS/PROSA POÉTICA sugerimos que seja enviado entre 4 a 7 poemas/prosa poética para uma melhor apreciação e experiência de leitura, e para DRAMATURGIAS o ideal é que sejam peças curtas de até 10 páginas.
Estamos diante de você nesse momento te convidando para um mundo outro. O que pode um texto? O que pode a literatura? O que pode uma rede de afetos amotinando palavras? Isto é uma tentativa... Dancemos!
Fim da transmissão.
Laroyê-Evoé Terceyro Mundo!!!