NOTA: devido a formatação dos poemas, recomenda-se a leitura dos mesmos pelo computador.
MERCÚRIO RETRÓGRADO EM AQUÁRIO
I
a Premissa:
um sutiã em cima da TV do quarto enquanto conversamos por mensagem pela primeira vez
II
penso em tirar uma foto minha no quarto
percebo o sutiã
III
se eu enviar essa foto agora
será que recebo
dois risquinhos
ou alguma resposta
será que passa despercebido?
IV
se eu enviar a foto agora
.
.
que [poema] isso daria?
V
se eu enviar o poema agora
como ele será lido
se é que será lido?
VI
mas e seu não enviar a foto
haverá material para a conversa e,
por conseguinte,
para escrever o [poema]?
LUA EM GÊMEOS OU AO HOMEM ESTRANGEIRO
I
quando esbarramos
⠀⠀⠀nas [bocas]⠀⠀⠀um do outro ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀pela primeira vez:
eu avisei,⠀⠀⠀afobada:
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀“a américa do sul não é para principiantes”
II
depois disso você _a b r i u_ as minhas pernas meteu o dedo a língua
em todos os meus espaços
eu que sou assim tão f r a g m e n t a d a
e não costumo me entregar /não de primeira
III
olhar no fundo dos teus olhos é também olhar pra tua terra de frente, anotei
para um futuro poema;
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀não sei ainda
como /decodificar
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀os teus barulhos a ausência deles
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀teu tom de voz as tuas ⠀⠀⠀⠀[palavras]
IV
existe algo de /cinzento/ no teu olhar
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀sempre tão doce ⠀⠀⠀⠀e ⠀⠀⠀⠀[desafiador]
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀à minha natureza⠀⠀⠀⠀_latina⠀⠀⠀⠀e ⠀⠀⠀⠀sanguínea_
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀anunciando aos berros
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀o quanto você me a r r e b a t a
e, depois disso, é inevitável a [pergunta]:
“tá tudo bem??”
V
não sei, respondo, enquanto
preencho com cigarros que
vou pedindo aos outros as
tuas [lacunas]
a tua mão delicadamente pousando
na minha tremedeira;
e eu te quero e eu te quero e eu te quero pra dentro do meu território com tanta urgência
mas sinto vergonha de amar assim
tão _quente_ & tão _úmida_
VI
quero aprender a falar na língua do teu silêncio,
escrevo pensando nas tuas mãos grandes & escorpianas
como as de quem
guarda [segredos] imensos
que hei de descobrir quais são;
quero memorizar as manobras do teu corpo fechado & aprender a respirar com a mesma _c a l m a_
essa que sempre me [desespera] e às vezes também me irrita
/e por isso mesmo me mantém em pé/
justamente porque por um milésimo de segundo não há espaço
para a [catástrofe]
VII
“a américa do sul não é para principiantes”, eu lhe digo
ao que você me responde
“mas eu também _não sou_”
A POETA SE APAIXONA
I
você chega em casa
num /silêncio/ que falta
aos /silêncios/ da casa
II
queria te dizer um [ ô meu amor descansa ] entalado goela abaixo coisas do /sintoma/ que não não não meus órgãos não vão todos pular da garganta pra fora não [ !! ]
III
detesto admitir que sinto [ciúme]
justifico:
i d e a ç ã o p a r a n o i d e
mas não acho válida tal justificativa:
nasci em fevereiro
[ é em segredo que arranco pedaços da pele & pétalas de flor no maior estilo bem me quer mal me quer ]
IV
sempre à espera da [palavra]:
a tua melancolia é belíssima mas me preocupa às vezes
que quando você
me come
você também come:
a poeta que sou as poetas que caminham comigo
e
os poemas que tô escrevendo no momento e você nem faz ideia
V
será que ainda é [ cedo demais ] pra te mostrar
páginas e mais páginas
rabiscados no espírito da fantasia, resultado da somatória
[ desejo + ausência ]
receio de ouvir novamente:
_mas pera aí a gente ainda nem tem nada sério ainda vamos com c a l m a_
quando não faço ideia
do que diabos é
c a l m a
então escrevo no maior dos sigilos assim você não descobre que sou carente e que amo sempre nos excessos;
que me agarro às tuas mãos
[ c o m o s e f o s s e a ú l t i m a ]
VI
não sei bem o que vai acontecer
se algum dia você descobrir
os meus escritos
imagino que:
você vai olhar e dar risada;
não vai entender nada;
vamos nos encarar de frente nus _numa espécie de duelo_
VII
entre teu olhar
e a minha caneta
a /escolha/ de colocar o corpo
sempre ele, o corpo
à entrega
AMAR PARA SOBREVIVER
I
meu benzinho talvez o meu maior empecilho seja dizer que [te amo] quando sei do que
os outros benzinhos como você são capazes de fazer com casas com cabelos e com corpos como os meus ao mesmo tempo tenho um fraco
_pelos teus b r a ç o s_
teu peito peludo que me afaga a cabeça quando tenho
preocupações:
sobre a vida trabalho cortar a franja o nosso futuro gozar
a menstruação que atrasou depois do gozo meu benzinho é quase inconsciente a vontade de morder o teu rosto e dizer “eu te amo” mas não sei até que ponto esse eu te amo significa [relações de poder]
II
penso em quando peço para me encurralar com força nas paredes dos bares mais podres o seu pau sempre muito duro do jeito que gosto
sussurrando safada no meu ouvido;
[[[um jogo muito perigoso]]]
III
meu benzinho
no dia em que eu não for safada o suficiente
você vai _p e r d e r o c o n t r o l e?
IV
meu benzinho os seus olhos cheios de tesão muito me agradam mas são iguais aos olhos de uma onça atrás de sua presa e isso me assusta benzinho me assusta
saber que você pode me destruir
porque você me ama
V
e eu me recuso a dizer que te amo
meu benzinho ainda que te ame dos jeitos mais inimagináveis e nas horas mais inconvenientes
é um sentimento esquisito esse entenda:
quero me libertar
saber que sou eu
a [mulher] da relação
Laura Redfern Navarro (2000) é poeta e jornalista. Toca a plataforma digital @matryoshkabooks, voltada à literatura brasileira contemporânea, realizando também serviços de assessoria de imprensa para escritores. Pesquisa a linguagem enquanto subversão do trauma e do feminino em O martelo, de Adelaide Ivánova. Em 2021, foi aluna do Curso Livre de Preparação de Escritores da Casa das Rosas — o CLIPE-Poesia. Foi contemplada em primeiro lugar no Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo, o ProAC — 2022, na categoria Poesia, com o projeto “O Corpo de Laura”.