Entrei na igreja, não porque tivesse fé, mas porque queria me abrigar do sol. A igreja havia mudado e eu também. A casa de Deus estava mais dourada e pomposa, havia sido recentemente reformada. Por minha vez, eu também havia passado por algumas reformas, reformas de corpo e alma, restaurando as memórias antigas, mas reescrevendo-as revistadas de novo. É preciso contar novamente, por mais que a história seja a mesma, ela é sempre diferente. Tem algo que insiste em escapar.
Reparei que ali, na parte lateral da igreja, havia um velho confessionário. Eu, pequena que sou, parei em frente ao confessionário e comparei o meu tamanho com o da cabine de madeira e constatei que ela era ainda menor do que eu. Quis então olhar para dentro e arrisquei puxar a diminuta porta. Estava destrancada. Olhei feliz para o interior do confessionário e senti vontade de entrar, sentar onde sentaria o padre. Parei. Tive medo de algum fiel ou sacristão me flagrar profanando um local sagrado por mera curiosidade. E não é algo sagrado a curiosidade?
Fui então me sentar em um dos bancos em frente a cruz e fiquei a olhar para o altar, como se rezasse. Acredita que quase cheguei a me ajoelhar? Tudo lembrança de uma personagem abandonada faz tempo, mas ainda muito presente. Notei que um homem me olhava e logo me olhei também, me vi inadequada, as pernas descobertas, me senti nua. Havia entrado na igreja de shortinho. Menina, não faça isso que é pecado. Quantas vezes ouvi essa frase?
Na minha cabeça havia um padre dentro do minúsculo confessionário, todo encolhido e suado, enxugando a testa na batina, claustrofóbico mesmo, dentro dos pecados alheios, tendo que perdoar tudo. Tudo em nome de Deus. Eram pecados que ele nem sequer chegava a entender. Pecador é tudo igual. O padre suava e suava, dizendo ao fim de cada confissão, quantos pais nossos e quantas ave marias teriam que rezar os pecadores para expiarem seus pecados. Pobres pecadores agraciados com o divino perdão do pai, só para logo em seguida, pecarem um pouco mais.
Senti um grande oco tomar conta de mim, eu não era mais um peixe naquele mar de culpa. Me levantei e olhei mais uma vez para o confessionário. Meu Deus, como ele era pequeno! Meus pecados não cabem ai, pensei, enquanto deixava a igreja e enfrentava o sol.
Edimara Arcanjo é psicóloga, escritora e compositora. Autora do livro "Na minha barriga mora um monstro", publicado de forma independente, disponível na Amazon. Além disso, é atriz em formação pela Escola de Teatro 4portas na Mesa e integrante dos projetos Cantamina e Coral Vozes.
Vi um pedaço de mim que abandonou a igreja a mais ou menos uma década, depois mais de duas "procurando o que eles não tinham pra dar"...