I
EU SOU POETA
Eu sou poeta
E não preciso pedir licença poética
Nem mesmo a criatura que criou o universo
Eu não poupo sentimento, nem aliterações, nem metáforas, nem menções nos meus versos
Eu sou um verso imortal
No vértice da efemeridade
Eu sou a última palavra em convulsão
Eu sou um coração em erupção
Eu sou a própria explosão
Eu sou poeta
Um jovem planeta
Sou feito da poeira do assoalho dessa galáxia
Eu sou a minha própria falácia
Eu sou um palácio em ruína
Eu sou um casebre suntuoso
Eu sou teimoso
Como a rima que tudo anima
Eu sou a sombra da fé menina
Eu sou um príncipe encantado
Eu sou um principiante
Eu sou um iniciante a longos instantes
Por isso sou desaforado
Como Deus e o Diabo na Terra do Sol
Eu não vim para explicar nada
Absolutamente nada!
Mas eu também não vim pra confundir o óbvio
Eu estou girando em volta da minha própria órbita
Eu sou poeta
E meus poemas são apenas inflexões do tempo
Do tempo futuro, presente e passado
Eu sou poeta
Eu sou a proa do tempo
Eu sou poeta
E estou para além do meu próprio óbito.
II
VIVER É
Viver é um estardalhaço
É um encanto sem surpresas
Viver é um crime premeditado por um Deus aí; Supremo.
Viver é um inferno planejado pelo Supremo?
Viver foi me desgastando o estômago.
Problemas, tratamentos, problemas, retórica doença.
E viver a espera da visita de Atotô!
Viver é ódio, amor, desejo, realidade, fingimento.
Viver é a metáfora mais patética do poeta.
Viver é caminhar por normas tolas, feitas por tolos ou até mais tolos do que eu.
Viver é perigoso, estressante, ridicularizado.
Se gosto de fêmea e macho, macho e fêmea.
Isso incomoda aos hipócritas, serve de piada sem humor, sem riso puro, nem nada.
Viver é uma bobagem, bobagens meu filho da puta, eu sou, bobagens.
Questionar o padrão causa calos nas mãos, causa mais náuseas, confusão, avanços.
Família não há. Amigos não sei. Amor há, pra se suportar o peso do que se é. Estado fudendo. Igreja fudendo. Escola fudendo. É uma fudelância sem gozo, sem esperma, é uma punheta com sono.
Viver é tanto, é nada, viver me dói.
Morrer: dizem que para de doer, mas se morrer for um portal cósmico como o mesmo portal da vagina sagrada que põe os demônios no chão?
Morrer pode ser um novo viver, não quero mais acreditar.
III
BRASILEIRO ESTRANGEIRO - ESTRANGEIRO BRASILEIRO
Sou brasileiro
E no Brasil me sinto estrangeiro
Me compadeço com a dor dos pretos
Sinto e vejo a dor dos pretos, dos povos originários, dos pobres marginalizados.
O açoite e o genocídio histórico deixou feridas acesas desde mil e quinhentos
E até hoje tais feridas estão acesas, em brasas
Clamando pela justiça de um deus.
Talvez de um deus estrangeiro
Que nos salve do demônio local.
Terra boa e próspera, sobre corpos de pessoas inocentes
De vitórias sem a menor honra, sem a menor glória.
A bandeira é símbolo e só, nada mais que isso.
O hino é nada e é apenas isso.
Terra amada?
Idolatrada?
Vá se fuder. (No sentido mesquinho da palavra).
Sou brasileiro
E no Brasil me sinto estrangeiro
Um vírus letal assola o Planeta
Enquanto no Planalto Central um verme e um comboio de bestas zombam e destroçam o país.
Brasil, país que retrocede a cada passo dado.
Sou brasileiro.
E no Brasil me sinto estrangeiro.
As palavras não bastam
Minha fúria e desespero não cabem na poesia.
O país fede e os abutres estão dando voltas e mais voltas ao nosso redor.
IV
O CAVALO NÚ
Ela chegou até mim e disse num solfejo:
"Ei, vem ver o nunca visto."
Eu curioso que sou, corri.
Léguas tiranas.
Mirei o ponto onde ela traçou e vi:
Ele cavalgava pra lá e pra cá num cavalo nú
Uma nudez jamais castigada.
Deus é menos nú que o cavalo que lá estava
O cavalo estava nú de uma nudez única
E o homem radiante
Feito um Alexandre por sobre o músculo largo de Bucéfalo
E eu apenas uma menina
Boquiaberta
Muda
Nua de vista
Nua de credos
Incrédula
Perplexa
Pletora de num sei o que mais lá
Lá estava eu vendo o nunca visto
Eu estava diante de um cavalo nú com um homem o cavalgando
Eu quis comer o cavalo e cair fora
Com a nudez plena
Com o gozo da cena
Com o cinema dos corpos selvagens
Com a felicidade imaculada de uma virgem que de santa nada tem
Nada temo
Pois sou apenas um menino que ver pra descrer
Descrevo
O fato é que o cavalo estava nú.
V
OS PIVETES
O que pensam os pivetes?
Muito me interessa o que pensam os pivetes
Eu sei o que é bom.
O futuro pertence aos pivetes
E eu já estarei velhote
Guiado pelos novos passos
Do baile dos pivetes
Saberei retribuir a piscadela dos pivetes?
Não sei, não sarro no ar, nem nunca sarrarei
Meu sarro é viver, o sarro dos pivetes é o quê?
Muito me interessa a sarrada dos pivetes
O futuro é o pós sarro dos pivetes
A República Democrática do Brasil pertence aos pivetes
Os velhos de hoje serão adubo ou somente excrementos debaixo da terra
Os tiranos passarão como passou Júlio César, como Hitler passou, como Bolsonaro passará.
O inferno para fora da Terra já!
Os pivetes vão guardar nossa civilização
O mundo será um grande baile
Todos naquele naipe, naipe do qual nem eu mesmo sei
Mas será, será porque eu também vi.
Que o mundo esteja salvo nas mãos dos pivetes
Futuros cidadãos da uni-polis global.
Marcelo Nascimento, nascido e residindo em Fortaleza-CE. Graduando em Teatro pelo IFCE (Campus Fortaleza).
Artista brasileiro, poeta, escritor, letrista, ator.