Ó luz do oriente, desperta
Aqueles que dormiram!
A treva será rompida,
A promessa será cumprida
Presta atenção, imbecil!
O tempo está passando.
Sábado. Você me pede que eu te diga algo que seja minimamente reconfortante para acalentar a sua crise de meia idade. Pede que eu faça isso e aquilo. Que eu me levante e vá, humildemente, buscar água para você porque você é uma pessoa desmemoriada e esquece com frequência de beber água regularmente. Você diz que precisamos entender que a vida é realista e, por isso, não faz o menor esforço de levantar a porra dessa sua bunda durinha de academia para fazer qualquer coisa que seja, porque no fim das contas “a vida é assim mesmo”. Você reclama. Não uma, nem duas vezes, sobre como as coisas têm sido terrivelmente terríveis e que isso é culpa do capitalismo e da fetichização da mercadoria na sociedade de consumo. Você acredita que vai mudar o mundo impulsionando hashtags no twitter e que a salvação do país está na mão das velhas ideias, porque, mesmo que você diga que não, você comprou a narrativa da tal luta entre o “bem contra o mal”.
Presta atenção, imbecil!
O tempo está acontecendo.
Três horas da tarde de um dia qualquer no meio da semana. Você prepara um café, acende um cigarro, desbloqueia o celular, coloca uma música da sua preferência e lê notícias escandalosas sobre o desenrolar da crise política no país numa busca incansável de enriquecer o seu arsenal de informações úteis e, sem que você perceba, planeja traduzir a tragédia em que estamos inseridos em alguns memes engraçados para fazer rir meia dúzia de idiotas como você e criar um senso de comunidade e de pertencimento alimentando a feliz ideia de que você e sua bolha são superiores porque conseguem entender o contexto e rir da própria desgraça. Você olha para os miseráveis como miseráveis e acredita que algum dia as coisas serão diferentes porque, mesmo que você acredite nisso, você sabe que isso nunca irá acontecer porque é preciso manter uma parcela significativa da população na zona de extrema pobreza e é exatamente por isso que você dorme tranquilamente todas as noites depois de reclamar, mais uma vez, de como as coisas estão terrivelmente terríveis.
Presta atenção, imbecil!
E não adianta sentir raiva de mim. Eu sou uma personagem do meu tempo, assim como você é do seu. E o que estou tentando fazer é tirar você dessa apatia em que te colocaram e que você defende com tanto gosto. Porque é óbvio que você defende o seu direito de se indignar apenas com o que te convêm, teleguiado por um efeito manada digno de engajamento. E não se engane, não somos tão diferentes como você pode imaginar. Você imagina?
Presta atenção, imbecil!
Porque eu estou aqui para te dizer que se você não fizer agora o que você deseja, você não vai fazer nunca. Sabe por quê? Porque durante toda a sua vida até aqui te ensinaram como você deveria viver e ser. O que deveria fazer e como. Enfiaram na tua cuca uma semente de medo e, como agricultores do terror, trataram de cuidar bem para que essa semente nefasta brotasse, crescesse, criasse raízes e se instalasse dentro de você. E acredite, não é outra coisa que alimenta o seu medo se não os seus desejos e sonhos irrealizados, além de tudo o mais.
Presta atenção, imbecil!
Nós estamos no mesmo barco furado atravessando uma tempestade. A questão agora é: até quando você vai ficar esperando que alguém apareça no meio do nada para acalmar a tempestade trazendo consigo meio quilo de durepoxi para tapar o buraco no barco e interromper a inundação?
Presta atenção, imbecil!
A tempestade é um holograma e o buraco no barco é uma possibilidade.
Mudando o tom.
Não preste atenção em nada. Continue vivendo a sua vida tal qual você sempre viveu. Não se inquiete. Permaneça nesse estado letárgico. Ignore o que tiver que ignorar. Finja, finja sempre e fuja, corra para longe. Você não precisa disso. Você já sabe o que precisa ser feito. Você sabe de tudo. Você nunca duvidou, nem duvidará de nada. Você tem todas as convicções à sua disposição. Agora você pode abraçar mais outra convicção, a de que sou eu a imbecil. Sou eu quem está delirando, esbravejando, me debatendo contra mim mesma. Sou eu quem estou rangendo os dentes para o vazio. Sou eu que preciso prestar atenção até perceber que não adianta porra nenhuma acreditar que é possível realizar qualquer coisa que seja para futricar uma coisa e outra em algum lugar remoto aí dentro. Você poderá dizer que isso aqui nem é literatura. E você sabe o que é literatura. Você sabe o que é tudo porque esteve atento até agora esperando que eu lhe dissesse alguma coisa que fosse relevante, alguma coisa que fizesse algum sentido, alguma coisa que modificasse a vida e fizesse com que as coisas fossem menos turvas. Você quer uma resposta para uma pergunta que nunca ousou fazer. Você quer sentido para tudo o que beira a loucura e se espanta quando o abismo te olha de volta. Mas me diga, você não acha que em algum momento as coisas farão sentido? Eu falo “as coisas” e isso é uma tentativa de fazer com que as coisas estejam e sejam tudo ao mesmo tempo agora. Você já parou para pensar que você sequer existe para quem não sabe que você existe? Essa é uma pergunta imbecil porque é óbvia. E obviamente você, quiçá, não seja uma dessas pessoas chegadas no que é óbvio. Por exemplo, é muito óbvio para mim que nesse momento eu deva encerrar esse texto porque imagino que você possa ser uma dessas pessoas que estão saturadas de textos extensos e se habituou a ler frases motivacionais em legendas no instagram e se cansa fácil com os excessos. Ou quem sabe você esteja com os olhos vidrados na tela do seu celular, ou do seu computador, com o coração acelerado de paixão ou de ódio, ou os dois, ou nada disso. Talvez, sem perceber, você esteja planejando traduzir tudo isso em memes engraçados para rir com a sua bolha. Eu sei que você não vai confessar nada. E não precisa. E a verdade é que, mesmo que eu me importe, eu posso fazer disso uma desimportância, tão insignificante como o poema que você não percebeu que estava aqui. E é por isso que eu te dedico esse poema. Esse poema que, somente com o mínimo da sua disposição, poderá ser lido, montado, composto. Do contrário, o que não faz diferença, continuará sem fazer nenhuma diferença. Então, presta atenção, imbecil, garimpa as palavras em itálico e em negrito do começo até o fim, na ordem, para despertar o poema, romper as trevas, cumprir a promessa e colocar em movimento. Alimenta os sonhos mais impossíveis, os desejo mais ardentes, devore o medo, estraçalhe-o, tente de novo, mais um vez, e de novo, fracasse, fracasse quantas vezes preciso for, derrube muros, impérios, abra brechas, faça da palavra dinamite, navalha, raio, trovão. Vamos! O que você está esperando, imbecil? Faça agora. Já!
Vandra Leão