Seus dedos tocam a minha boca, encostando de leve o polegar, enquanto traça o contorno dos meus lábios e isso me atinge de forma tão íntima que penso que daqui para frente você vai sentir a textura de cada palavra que eu disser. Você volta a se recostar sobre a cadeira e fica me olhando.
Logo sinto que a distância, qualquer distância entre minha boca e seu corpo, é grande demais. Desejo me mover para perto, mas apenas posso sustentar o olhar.
Ah, esses olhos… se olho demais para eles, me ponho de tal maneira assustada, que as palavras chegam a me abandonar. Pronto, agora que estou pensando em você me olhando, não escrevo mais nada!
Então arranco a folha do caderno e a dobro no meio, durante um segundo de coragem, penso em deixá-la em cima da sua mesa, mas tenho medo de que você me ache louca demais. E é por isso que apenas jogo o papel no fundo da bolsa e passo bem rápido em frente a sua mesa. Não nos olhamos.
Sinto que sou como a água, que se adequa às formas de qualquer recipiente, de qualquer olhar. Tenho medo de te olhar e descobrir o que de fato você é. Um estranho que nunca me viu. Pior, eu tenho medo de te olhar e descobrir que você sou eu. E não digo ‘eu’ no sentido comum da palavra, esse amontoado de meus e seus e percepções medíocres de dentro e fora. Digo que tenho medo de ver que você sou eu, porque ‘eu’ é toda e qualquer alteridade que existe e isso dói.
Isso dói de um jeito que não dá tesão e pra hoje, eu só queria mesmo era imaginar teus olhos doces transmutados em voracidade, enquanto você me come.
E assim permanecem intactas as minhas fantasias…
Edimara Arcanjo é psicóloga, escritora e compositora. Autora do livro "Na minha barriga mora um monstro", publicado de forma independente, disponível na Amazon. Além disso, é atriz em formação pela Escola de Teatro 4portas na Mesa e integrante dos projetos Cantamina e Coral Vozes.