“Considere no lo que oculta la máscara, sino lo que puede revelar.”
Francisco de Quevedo
Ao retratar um evento literário em Os Moedeiros falsos (1925), o pederasta André Gide colocou em cena todos os elementos que faziam daquela cena parisiense dos anos de 1920 o grande teatro de máscaras que era: olhares irônicos, tiradas sarcásticas, festejos a revistas literárias, tiros de festim, dramáticas encenações de morte e, como prato principal, pelejas públicas onde os debatedores se digladiavam em mise-en-scène, vinho e pompa. No retrato de Gide, o resultado final desse teatro termina com um jovem Olivier humilhado que, após convalescer dias na cama devido sua condição de derrota pública, decide resolver a desavença com seu desafeto por meio de um duelo de armas.
Praticamente 100 anos se passaram desde a publicação de Moedeiros Falsos e pouco ou nada parece ter mudado nesse perfil do mundo literário. Com efeito, mais 100 anos passarão e afirmo com toda certeza que a situação seguirá imutável, afinal, se uma das facetas da literatura é o Belo a outra é, sem dúvidas, a Vaidade.
A Vaidade que faz com que um autor se utilize da sua recém-adquirida fama para dar uma carteirada em uma resenha negativa e tente coibir pessoalmente uma crítica como fez o “super astro” Itamar Vieira Junior no ano passado.
A Vaidade “caça likes” que acometeu a escrita de Salman Rushdie que, ao fazer seus Versos Satânicos, foi atrás de fama fácil às custas de uma polêmica religiosa é a mesma Vaidade que assaltou o grupo de muçulmanos que, ainda que acreditassem num ser mitológico supremo e todo poderoso, não conseguiam conceber que essa entidade divina tivesse o poder de aniquilar um mero escritor de modo que buscaram retratação por meio das mãos profanas de um lacaio qualquer como aconteceu na tarde do dia 12 de agosto.
Essa também é a Vaidade que fez com que uma atriz que nunca publicou um livro na vida, como é o caso da Fernanda Torres, aceitasse o infame convite da Academia Brasileira de Letras em se tornar uma imortal tanto quanto é a Vaidade da própria ABL que, às traças, tentou, com esse convite, retomar para si algum tipo de holofote já há muito perdido.
E podemos ver tal Vaidade até mesmo na polêmica fake plantada pelos editores do jornal Rascunho a partir da entrevista com o professor Luís Augusto Fischer quando o pesquisador afirmou evitar “ler o que há de ruim” na literatura quando os supostos ofendidos (que mesmo raivosos nunca se deram ao trabalho de se manifestar nas redes sociais) dessa pesadíssima afirmação aparentemente queriam cancelar o entrevistado.
Contudo, se é verdade que essa Vaidade maqueia inseguranças, ilude, corrompe instituições, fere e, em último caso, mata, é verdade também que esse é igualmente o instrumento que faz o escritor criar, perseguir o Belo, expor sua escrita, sua poesia, seu nome, tornar visível o invisível. Dos grandes aedos aos mortos em fundos de gavetas, não há desmascarados nesse Teatro.
Enfim, entre socos e pontapés, a literatura.
E se por acaso você, sim, você mesmo que lê esse texto, se imaginou acima disso tudo é porque não entendeu nada. Afinal, você, tanto quanto eu, Maomé ou Will Smith, com certeza tem algo que consegue tirar o seu véu de civilidade e, tocada a sua vaidade, te faria dar com os dedos na cara de alguém.
O que fere o seu Belo?
Onde machuca a sua Vaidade?
O que mostra a sua máscara?
Mariano Larra